Passaporte imunológico contra Covid-19 e Proteção de Dados Pessoais 

Artigo escrito por Gabriella Cabral, Legal Assitant e Colaboradora do NOVA Compliance Lab e Mestranda em Direito e Segurança na NOVA School of Law

Um novo ano se iniciou e como ele a  expectativa e a esperança de uma nova vida liberta do vírus que assolou o mundo . A pandemia, que em 2020 destabilizou a economia de vários países e nos fez vivenciar uma realidade difícil, afastou-nos das pessoas amadas, criou barreiras e fez-nos criar novos hábitos.

Com o passar dos meses, a corrida dos cientistas de todo o mundo pela cura resultou num feito inédito para a ciência: o desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19 em tempo recorde.   Laboratórios como o britânico AstraZeca, associado à Universidade de Oxford;  a vacina da Pfizer, da BioTech, da  Moderna, a russa Sputnik V, entre outras, estão a ser compradas pelos países e através dos seus respectivos planos de vacinação, e vêm sendo aplicadas aos cidadãos.

Será, então, a vacina contra a Covid-19  a luz ao fim do túnel, após um ano de muitas restrições, como por exemplo, a de viajar? 

À medida que esperamos pela imunização mundial, pouco ainda se sabe sobre a possibilidade de efeitos colaterais futuros derivados da vacina , assim como, a OMS em abril de 2020 destacou o conhecimento atual e as limitações técnicas, aconselhando: « Não há, atualmente nenhuma evidência de que as pessoas que recuperaram da Covid-19 e têm anticorpos estão protegidas de uma segunda infecção ... neste ponto da pandemia, não há evidências suficientes sobre a eficácia da imunidade mediada por anticorpos para garantir a precisão de um passaporte imunológico.».

Muitos países estão à procura de formas e medidas para superar as restrições de confinamento e distanciamento, que foram impostas como meio de combate e controle da propagação da Covid-19. Assim, surge uma possibilidade para o regresso da normalidade com a ideia de criar e utilizar o passaporte imunológico , porém este pode trazer implicações significativas para a privacidade e direitos humanos ; como por exemplo, dividir a sociedade entre os que estão em liberdade e poderão circular livremente, com base em dados confidenciais de saúd, e os que estarão cerceados deste direito.

O passaporte imunológico é um documento que certifica que o cidadão está imune à Covid-19 . Esta imunidade pode ser atribuída pela vacina, ou por já ter testado positivo para o vírus e ter desenvolvido imunidade comprovada. 

Entretanto, o facto de ainda faltarem dados científicos quanto ao tipo e grau de imunidade que é desenvolvido, fragiliza a segurança da utilização do passaporte como documento garantidor. E, além disso, a proteção de dados pessoais precisa de ser amplamente levada em consideração quando as medidas de monitoramento de saúde pública são aplicadas, visto que tais dados são sensíveis, conforme o artigo 9-2 (i) do RGPD. Este informa que, mesmo que o processamento de dados de saúde seja para fins de saúde pública, as leis nacionais devem ter medidas adequadas e específicas que salvaguardem os direitos e as liberdades do cidadão.

A tecnologia desenvolvida ao longo desta pandemia refletirá por muitos anos no que concerne a política de dados, interesse público e privado e direitos humanos. A implementação de um passaporte imunológico com o recurso à tecnologia já está a ser estudado  e baseado em blockchain e inteligência artificial, somados ao uso de dados biométricos.

Relativamente à recolha dos dados de saúde, seria necessária uma avaliação prévia do impacto, realizada pelos Estados-Membros da União Europeia. Saber quais os dados que serão usados, quem estará envolvido garantindo que os sistemas de informação respeitam o regulamento, bem como, manter a atenção à transparência no tratamento de dados de saúde da pessoa. 

Saber como serão utilizados os dados biométricos, quais as autoridades que os poderão recolher e ter acesso, bem como, qual a finalidade terão esses mesmos dados, com quem serão compartilhados, e qual o órgão responsável por monitorar. Respeitando os princípios descritos no artigo 5º do RGPD que abordam a legalidade, a justiça e a transparência, a limitação da finalidade, a minimização de dados, a exatidão,  a limitação de armazenamento, a integridade, e a confidencialidade e responsabilidade. 

Os riscos e o equilíbrio associados à tecnologia, as garantias fundamentais e os interesses económicos devem ser, frequentemente debatidos entre todos os setores. São questões que devem ser ponderadas por mais que exista a urgência em dirimir os conflitos causados pela pandemia. Neste momento, precisamos mais do que nunca, que nossos direitos sejam acolhidos e estejam em conformidade. 

Gabriella C. Cabral
Mestranda em Direito e Segurança - FDNL




REFERENCIAS:
https://directionsblog.eu/immunity-passports-a-risky-solution/
https://www.privacy-regulation.eu/pt/9.htm
https://blogdroiteuropeen.com/2020/10/08/covid-19-and-immunity-passports-the-way-forward-by-nora-ni-loideain/
https://www.who.int/news-room/commentaries/detail/immunity-passports-in-the-context-of-covid-19